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Representatividade: conheça Érica Prado, jornalista de esportes de ação

O ano de 2020 foi de posicionamento político em diversas frentes no Brasil, principalmente no esporte. E ficou notório o quão importante isso foi para o segmento. O surfe sempre foi visto como uma modalidade com poucas oportunidades para atletas negros e isso pode ser observado ao longo dos anos no circuito profissional ao redor do mundo. Além da falta de representantes negros na água, as mídias especializadas em surfe ainda tem poucos negros com voz de fala.

Embora a diversidade ainda seja pequena, na comunicação de surfe existem nomes fortes que também se posicionam para que mais negros sejam inseridos em vários setores do esporte. Érica Prado, apresentadora do Canal Woohoo e ex-surfista profissional, é um desses nomes. A comunicadora conversou com o Cutback sobre a representatividade no surfe, como é ser uma das poucas negras no meio e mais.

Érica também é idealizadora do Surfistas Negras, movimento que tem como objetivo dar visibilidade para mulheres negras da cena do surfe. Há mais de uma década, ela une suas duas paixões através das coberturas de eventos regionais e mundiais. Em 2018, ela teve outra experiência no audiovisual, mas, dessa vez, como parte do elenco da série Juacas, exibida no Disney Channel. Atualmente, Érica usa suas redes sociais para empoderar mulheres negras através de publicações que transmitem alto astral e originalidade. Confira!

Érica em dia de surfe. Foto: Anna Verônica

Cutback: Quando e por que surgiu a sua paixão pelo surfe?

Érica: O meu primeiro contato com surf foi na cidade de Itacaré, no litoral Sul da Bahia, e fui muito influenciada pelo meu irmão mais velho, Leandro Prado. Ele começou a surfar antes de mim e tinha aquela coisa de querer fazer a mesma coisa que o irmão mais velho fazia. Então, comecei a surfar. Ele sempre me incentivou, me estimulou. Além do meu irmão, todos os amigos de infância surfavam ou faziam capoeira. Esses dois esportes tive contato na pré-adolescência e até hoje não parei.

Cutback: Você sempre foi jornalista de surfe mesmo ou já passou por outros seguimentos?

Érica: Então, na verdade o Canal Woohoo sempre foi um canal de variedades, tirando o ano de 2020, que a gente ficou mais focado nas artes marciais, nos outros dez anos que trabalhei no Woohoo sempre cobri muitos esportes além do surf: o skate, o wake, kitesurf, cultura jovem em geral, shows, peças de teatro... Sempre tive com toda essa pauta diferenciada da cultura jovem e dos esportes radicais. Claro que o foco principal do canal tinha aquela coisa com o surf. O carro chefe era o surf. Então acabei me especializando mais no surf porque também tinha a questão de ser ex-surfista profissional, de conhecer toda a galera, era um ambiente confortável pra mim.

Cutback: Como foi o seu encaixe no meio do surfe? Existe uma dificuldade do negro conseguir espaço em lugares onde tradicionalmente ele nunca teve voz.

Érica: Então, na época que eu competia, não percebia essa falta de espaço. Eu achava que era uma falta de sorte ou aquela coisa de estar no momento errado, na hora errada, ou de não estar no lugar certo, na hora certa. Então, a dificuldade que eu tive como competidora foi a de não ter patrocínio. E o buraco é mais embaixo para as mulheres negras. A gente sabe disso e essa foi a principal dificuldade. Eu acordei para a vida depois de estar no ambiente da mídia como jornalista e aí eu tento reverter isso falando mais sobre o assunto, dando mais espaço para pessoas negras, colocando luz na causa, tentando equilibrar um pouco essa injustiça que a gente vive.

Técnica apurada de backside. Foto: Rodrigo Michelini Fett

Cutback: Quais os maiores desafios que enfrentou como uma mulher negra no surfe? E de onde tirou força para superar esses desafios?

Érica: A dificuldade foi essa: não ter patrocínio, ser ‘invisibilizada’. Mas eu sequer entendia quando não me chamavam para fazer uma entrevista, mesmo quando eu ganhava campeonato. Já aconteceu de eu ganhar um campeonato e a segunda colocada dar entrevista pra TV Bahia, por exemplo, e eu que fui a campeã não dar entrevista. Então, essa invisibilidade cotidiana me incomodava muito e segue incomodando, porque eu vejo outras meninas passando pelo que eu passava na época e eu tirei força... Eu nunca fui de abaixar a cabeça. Minha mãe sempre me botou pra cima, me ensinou a não baixar a cabeça e eu nem sei como, mas encontrei forças para seguir em diante. Uma coisa que mudou minha vida foi falar sobre o assunto. Uma coisa que me fortaleceu muito foi ter criado o movimento surfistas negras. Assim, existe um antes e um depois. Porque por mais que você se mantenha forte ou tente ser forte com aquela casca, aquela camada, uma fortaleza, mas por dentro se sentir fraca e ficar abalada em certas situações e outra é quando você de fato se empodera e começa a bater de frente com situações que você não batia antes. Então, assim que eu criei o Movimento Surfistas Negras o apoio e tudo que aconteceu a partir daí e as outras mulheres maravilhosas que eu conheci nessa caminhada. Por mais que existam pessoas que dizem “ah, o Brasil não é racista”, “o surf é para todo mundo”, “vocês tão querendo segregar”, porque tem gente que pensa isso, eu simplesmente sigo meu caminho, não dou bola pra isso, tento de alguma forma educar essas pessoas dando a minha versão. Se a pessoa não entender, não se tocar, aí é um problema que a pessoa vai resolver, deixa de ser um problema meu.

Cutback: Na sua opinião, o surfe é um esporte racista? Como se pode mudar esse panorama?

Érica: Eu acho que o surfe é um esporte racista, digo elitista. Não temos políticas públicas para estimularem as pessoas a surfar, tem pouquíssimos projetos no Brasil e os que tem são de iniciativa privada. Eu acho que a gente precisa olhar para a base, criar oportunidades para as pessoas, sobretudo pessoas negras competirem, pois temos muitos talentos e essas pessoas não tem oportunidades. Então, é o que eu digo: a Yanca Costa atual campeã brasileira está sem patrocínio principal. A Júlia Santos que é a campeã brasileira de 2019 está sem patrocínio principal. Então, as melhores surfistas brasileiras atualmente estão sem patrocínio principal e isso é uma vergonha. Quem está atrás também está passando dificuldades. Tem uma surfista profissional que foi oitava colocada no Circuito Profissional Brasileiro ano passado, que é a Juliana dos Santos, ela é cearense e atualmente mora num cômodo de 6m², com uma família de seis pessoas. Agora a gente está se mobilizando e fazendo uma vaquinha para ajudar, entendeu? Mas assim, você para e pensa: uma garota que é top 10 do circuito nacional, não tem patrocínio, não consegue viver do surf. É uma realidade muito difícil. O apoio e o investimento, por menor que seja, “ah estamos vivendo uma crise”. Sei que a situação está difícil pra todo mundo, mas o pouco que o pessoal investe, não é em quem mais precisa, entendeu? Esse investimento não chega em quem mais precisa. É isso que tem que mudar. O que percebo que pode mudar esse panorama é olhar pro lado, entender essa situação e se incomodar com a situação. E não se acomodar. Quando a gente cala, a gente consente, porque a gente está num lugar e percebe uma situação de injustiça e você fica calado, você consente com aquilo e se você tem a oportunidade de mudar aquilo, seja questionando, dialogando, faça, porque a oportunidade não vai cair do céu.

Cutback: Você acha que falta representatividade negra nos programas de surfe?

Érica: Sim, falta muita representatividade. Atualmente, você liga nos canais de TV e sobretudo os canais especializados em surf, canais radicais e você não vê nenhum negro em destaque. Não temos nenhum programa com uma surfista negra em destaque. Acho que existe um movimento de transformação para esse ano de 2021. Tem uns projetos em andamento pra mudar esse cenário, inclusive o canal OFF vai lançar agora, dia 20, um programa sobre superação e histórias reais. Esse programa tem um episódio só da Suelen Naraisa, surfista profissional, bi campeã brasileira, representou o Brasil durante anos no circuito de acesso do surf mundial WQS e nunca teve a oportunidade de ter um programa dela no canal OFF, por exemplo, e esse ano ela vai ter, pelo que eu entendi vai ter. É um episódio, mas vai ter sobre ela, então a mudança já começou. Não na velocidade que a gente gostaria, mas está acontecendo.

Cutback: Tu é uma das referências no seguimento. Você se considera dessa forma? Érica: Atualmente, eu me vejo como essa referência. E a responsabilidade e pressão aumentam, porque quando você se dá conta que outras pessoas estão se inspirando em você, ou lhe tem como referência, a pressão aumenta e eu percebi isso há pouquíssimo tempo que eu tinha, que eu ocupava esse espaço de ser uma referência, porque a gente não aprende na infância, não aprende na escola, a gente está sempre tendo outro como referência, o outro sempre é o melhor, mas eu acredito que cada pessoa tem seu potencial. Nós somos pessoas incríveis e a gente precisa acreditar nisso. A gente precisa acreditar, porque eu sempre digo isso: “alguém está se inspirando em você” seja você um adolescente, um adulto, um chefe, um seja lá qual for o cargo que ocupe na empresa ou na vida, alguém está se inspirando em você, então acredite e não pare.

Grupo de surfistas negras. Foto: Bruna Veloso

Cutback: Se você fosse dar um conselho para uma mulher negra que está começando no surfe, qual seria?

Érica: Eu acho que o conselho que eu posso dar pra uma mulher negra que está começando a surfar é: se divirta e não se cobre, não se compare com as outras, se divirta e siga no seu foco. Não desista do seu objetivo, porque muitas pessoas no caminho vão dizer que esse esporte não é para você, que aquele lugar não é seu, mas não dê ouvidos e siga a diante.

Cutback: Qual o maior objetivo do podcast, está ligado a motivação ou interação das mulheres?

Érica: Sim, o principal objetivo do podcast Na Praia Delas é dar voz às mulheres da cena do surf, estimular as mulheres a surfar, trazer a nossa visão de diversas situações, trazer o nosso ponto de vista para os ouvintes, porque eu acho que a gente precisa colocar a mão na massa, a gente não pode ficar só reclamando que “ah falta espaço”. Então, vamos fazer, vamos noticiar, vamos fazer um programa de entrevistas aqui, vamos colocar a mão na massa. Então, quando mulheres se unem, a coisa acontece, sabe? A união faz a força e eu estou amarradona com esse projeto. Inicialmente a gente ia lançar um episódio por semana, mas cada uma tem seu projeto particular, cada uma tem sua vida, a Yanca é competidora, a Nay e a Potira são professoras de surf também, a vida está corrida pra todo mundo, mas a gente sempre tenta manter a plataforma atualizada. Inclusive, na próxima sexta-feira, vai sair um episódio que é uma entrevista com a Yanca sobre o circuito brasileiro, sobre o título dela no circuito brasileiro, né? E tem mais coisas vindo aí para esse ano de 2021. A gente vai movimentar mais o podcast.


 
 
 

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