"Itaúna é a melhor onda do Brasil" - entrevista exclusiva com Fábio Gouveia
- Lucas D'Assumpção
- 30 de abr. de 2020
- 7 min de leitura
Em seis anos o Brasil conquistou o mundial de surf quatro vezes, mas até chegar nesse patamar alguns nomes foram fundamentais para o crescimento do esporte em terras tupiniquins. Um dos responsáveis para sermos o que somos hoje é o Fabio "Fabuloso" Gouveia, que lá atrás começou a correr o mundial da categoria e abrindo portas. Fábio é um dos surfistas mais bem sucedidos do país. De sua geração, ele foi campeão mundial amador em 1988; ganhou seu primeiro evento do World Tour, o Hang Loose Pro Contest, no Guarujá/SP, em 1990 e conseguiu - até então o maior feito do surf nacional - a 5º posição no WCT, em 1992. O Fia - como também é conhecido -, com exclusividade, conversou com o Cutback e contou sobre a sua experiência nas ondas da Região dos Lagos, conta um pouco da sua importância no esporte e muito mais. Confira!

Cutback: Você já caiu em algumas ondas da Região dos Lagos? Cabo Frio, Arraial do Cabo, Saquarema ou Búzios?
Fabuloso: Cara, eu nunca surfei na Região dos Lagos, aliás só Saquarema . No início ali, já fui em Cabo Frio, mas fui para o cinema em Cabo Frio (risos). Uma vez as crianças eram pequenas, Saquarema estava storm, eu saí pra dar um rolê em Cabo Frio, passei ali em Arraial do Cabo e tinha altas ondas, mas estava um crowdzinho. Eu até estava com a prancha no carro, mas estava um crowd e eu digo “ah, vamos para o cinema com a molecada”, aí passei na praia principal ali de Cabo Frio que eu não lembro o nome. Enfim, já passei pelas cidades, Búzios, tudo quando eu vinha do nordeste para o Sul de carro, mas só Saquarema, cara. E tinha planos de voltar, tinha umas coisas para fazer em Cabo Frio, mas acabou não se concretizando, nem ano passado e esse ano está mais difícil de eu ir. Mas uma hora eu vou, estou doido para pegar aquela onda lá naquela baía lá que eu esqueci o nome, que é uma baía linda, uma onda comprida. Estou querendo ir.

Cutback: Se sim, qual a melhor onda da localidade? Se não surfou, gostaria de cair em algumas das ondas daqui? Fabuloso: Pô, como eu não surfei as outras ondas, só pra dar um toque ai na pergunta dois. Vou falar de Saquarema né? Tanto a Vila quanto Itaúna são ondas épicas, Barrinha agora também né? Já peguei umas ondas boas na Barrinha, logo no início ali quando começou a ficar bom com Ricardo Bocão no dia, surfei até às vezes com Pigmeu também, tem até umas ondas com Fábio Fabuloso [programa de tv]. Mas foi mais para o meio, não é na Barrinha, não. Já peguei Saquarema clássico, ondas de 10, 12 pés [3 metros], nas antigas e na última prova que eu corri ali no máster; eram umas ondas boas, grandes. Enfim, acho que deve ser a melhor onda do Brasil em termos de constância, acho que é Saquarema ali, véi. Itaúna. Cutback: Você foi um dos caras que abriu as portas para o surf do Brasil. Se temos campeões do mundo, você tem uma parcela importante nisso. Você reconhece a sua importância?

Fabuloso: Fico amarradão de ter sido um elo aí entre as gerações passadas e essas novas gerações aí; o Brazilian Storm, que começou ali com Mineirinho [Adriano de Souza]. Na real foi o elo entre a nossa geração e onde pegou mesmo o Brazilian Storm. E eu fico muito feliz, porque dei a sorte de surgir numa época que eu surfe estava se organizando profissionalmente no Brasil e melhorando no mundo. A época do Kauli, do Picuruta, do Valério, enfim... Guiguinha, Felipe Dantas lá do Nordeste e toda essa galera aí, Guguta de Cabo Frio todos. Os caras pegaram o início da organização, mas os caras já estavam mais pra final de carreira. Final de carreira não, meio pra final né. E eu tive a sorte de estar começando ali com a organização e encaixou tudo, foi aquela época mágica. Final dos anos 80, início dos anos 90, surfwear bombando, as marcas patrocinando, sucesso nosso, que iniciamos ali, um puxava o outro, uma marca puxava a outra. Victor Ribas, Peterson Rosa vindo logo depois né, cara. Enfim, muita gente boa e depois os big ryders , cara. Resende, Burle na época também fazendo o trabalho deles no Big Surf. Burle e Resende que surgiram ali com a organização do esporte, mas logo viram outros meios de evoluir na parada. Enfim, todo mundo aí contribuiu para esse momento aí, cada um na sua geração, cada um com suas dificuldades, mas eu acho que todos trabalhando com seriedade em prol do crescimento do esporte.
Cutback: O seu estilo, na nossa opinião, é um dos mais bonitos do mundo. Vi em alguma entrevista que você se inspirou nos movimentos das mãos de alguns atletas no passado. Isso realmente moldou o seu jeito de surfar?

Fabuloso: Cara, eu cresci vendo a galera surfar, os legends do meu estado lá: Arnaldo Badeco, caras pouco conhecidos, Chicó Moura, Carlos Cleiro, caras muito bons, depois o Felipe Dantas, Sérgio Cestinha, Fábio Cuencas, Paulo Porrete, a galera de Recife, galera do Ceará também com muita gente boa... Bahia, enfim... Alagoas, Pereira, lá de Maceió, e eu sempre olhei todo mundo tentando melhorar meu estilo, mas minha maior referência a nível de Brasil foi o Felipe Dantas, mas eu me inspirava em Dadá Figueiredo, Picuruta, Dininha Lima, Roberto Valério, Kauli, tem muita gente pra enumerar.
Mas aí o Tom Curren foi o que mais me despertou mesmo, o fato de ter a oportunidade de ver alguns vídeos dele em Santa Bárbara, lá em Rincon. Aí eu passei a admirá-lo e fazer daquilo ali minha referência de estilo. Tem umas coisas que lembra, mas fica impossível você querer imitar uma pessoa e ficar 100% igual, legal que eu fiquei com minha linha própria, tive minhas boas referências, mas fiquei com minha linha própria e fico feliz por isso, porque realmente é difícil você alinhar um estilo maneiro com as manobras. Mas a referência de estilo hoje é diferente, mudou tudo (risos).
Na minha época era a perna mais junta, joelho pra dentro e hoje em dia o surfe virou aéreo e um pé no bico e outro na rabeta que é para ter compasso né, mas não é que isso seja feio mas é que realmente acompanhou a evolução do esporte. Na minha época pé no bico e outro na rabeta era uma coisa horrível (risos). Mas hoje mudou os parâmetros e o estilo é diferente. Então, não é mais aquele coisa feia, até porque os caras tem também o joelho pra dentro, não é aquele estilo pé no bico e rabeta com as pernas arreganhadas (risos). Os caras têm estilo.
Cutback: Ter essa vivência toda no surf, nas competições e viagens ajudou nos projetos das pranchas feitas por você?
Fabuloso: Cara, eu sempre gostei de prancha. Foi amor à primeira vista assim, desenvolvi um carinho especial tal como eu tinha desenvolvido por aqueles carrinhos Hot Wheels Matchbox, era louco por carrinho, véi, ô brincadeira boa. E prancha foi a mesma coisa, desde cedo fui iniciado ali no conserto de pranchas, fabricação de pranchas. O cara que me descobriu, o Paulo Bala - falecido o ano passado -, que Deus o tenha, me iniciou nessa arte aí e me botou pra ter gosto com o universo das pranchas, tinha fábrica de prancha, fez minha primeira prancha e me levou para dentro da fábrica dele e me ensinou muita coisa lá e eu segui, fiz pranchas no passado, no início da década de 90, fiz 45 shapes. Até fiquei em terceiro no Alternativa PRO com um shape meu, perdi pro Damian Hardman numa bateria até duvidosa (risos), segundos os que estavam lá vendo, mas enfim parei de shapear.

Parei de shapear e voltei em 2008, fiz o curso da máquina de shape, já estava quase parando de competir profissionalmente, mas nesse meio tempo ali do início dos anos 90, até meados de 2000 eu usei muita prancha, de muita gente do mundo inteiro, ao ponto de estar em algumas viagens com 10 pranchas diferentes, estar no Taiti com 10 pranchas de 10 shapers diferentes. Então, eu sempre fui muito “experimentalista”, desenvolvendo um entendimento melhor e isso me dando as possibilidades de criar minhas próprias teorias. Então, em 2008 voltei a shapear, fiz o curso da máquina, mas de imediato não me interessei muito pela máquina, eu gostava muito do hand shaper [shapear manualmente], queria muito retomar de onde parei. Então, fiquei bastante tempo no hand shape ali, que eu acho que era a alma do negócio e eu gostava muito e não tinha pressa, estava curtindo os passos.
Mas hoje em dia pra você ter mais produção e fazer o que eu quero fazer, que eu não sou só um shaper - um fabricante de prancha - um atleta profissional que vive ainda do surfe, do meu nome. Então, eu faço viagens, faço muitas coisas e o shape, apesar de ter um carinho especial, é mais uma coisa que eu faço para ganhar o dia a dia, manter o padrão de vida, que são as viagens que é o que preciso pra manter as engrenagens rodando. Então assim, hoje em dia o, cara, o que eu tenho em mente é viajar por aí mundo a fora, shepeando em alguns cantos. Esse ano fui até ao Japão, fiz uns contatos pra voltar lá e ir para outros locais também, mas infelizmente aconteceu esse lance ai agora da pandemia . Vai adiar um pouco esse sonho aí.
Cutback: Como está sendo a quarentena? Está tirando os dias para estudar, ficar com a família ou treinar?
Fabuloso: O início desse período em casa aí foi justamente isso: ficar com a família. Tomar cuidado, a gente não sabe desse negócio invisível direito, mas estamos se cuidando e, mas assim, eu sempre tenho o tempo muito cheio e o fato de eu não estar viajando é o dia inteiro ocupado, porque tem muita coisa e hoje o surfista não é só surfista né cara. O cara precisa ser praticamente um blogueiro (risos), um mídia social ativo. Então isso aí tem todo um trabalho que leva o dia inteiro. Então quando tem muita coisa aqui: trabalho atrasado, projeto para criar, projeto que deixei para trás, então é sempre o dia inteiro se exercitando e trabalhando nas coisas que eu, muitas vezes, já deixo separado para em momentos como esse ter tempo hábil para fazer as coisas.
Cutback: Deixa uma mensagem pra galera do surf. Fabuloso: A mensagem, velho, é que tudo passa e o negócio é clareza ali, prestar muito bem atenção nas coisas e tocar a ficha que tudo passa, o negócio é sempre estar pensando no futuro.
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